Conto
O APARTAMENTO
Da janela vejo prédios e apartamentos com movimentos incertos. Como aconteceu na manhã anterior em que todos procuravam sempre algo para fazer e fugir do demasiado ócio ou para romper certa paralisia para que uma vida quase esvaída fizesse qualquer tipo de sentido ou mantesse o pulso funcionando no limite da tolerância. São pessoas de todos os tipos e idades. Embora façam coisas tão parecidas quanto você e eu, que a nossa mais fiel curiosidade não seria capaz de capturar o que acontece do outro lado da rua em janelas de prédios acima da rua e dos elevadores.
Ele abre a janela e coloca os óculos fundo de garrafa para enxergar lá embaixo. Os olhos vão abrindo lentamente no exato oposto da vida que se desenrola lá fora e anda na velocidade do vento. Senta numa cadeira de vime e os olhos vão alternando entre o que se passa no interior do quarto em frente a uma televisão e o mundo mergulhado entre buzinas enfurecidas e gente perambulando de um lado para outro. Nada muda até o início da noite e o que acontece no calar da madrugada eu já não sei dizer. Talvez durma com certa insônia e incerteza esperando o disco arranhado do dia seguinte.
(…)
Da sacada do meu apartamento vejo aquele Cara todos os dias do outro lado escrevendo e olhando os outros apartamentos que ficam do outro lado da rua. Melhor fecha minha janela pois talvez escreva algo sobre mim muito distorcido do que faço todos os dias. O Cara parece não ter outra coisa para fazer. Vou fechar minha janela antes que me aborreça.
Trecho do conto “O apartamento” da Coletânea do livro “[Mal]ditos Urbanos”.