Arquivo de fevereiro, 2015

UM OLHAR SOBRE A NIGÉRIA E OUTRAS PERCEPÇÕES

Publicado: fevereiro 26, 2015 em Conto

Passo aqui só para dizer sobre os últimos acontecimentos em grande parte da África e especialmente na Nigéria. Só para lembrarmos de que o que as Agências de Notícias estão divulgando sobre os atuais acontecimentos na Nigéria não é nada além de ratificar o barril de pólvora sinalizado por Soyinka há muito e muito tempo, assim como outras situações que foram apontadas por Fela Kuti e vem sendo apontadas por diversos intelectuais africanos e africanos diaspóricos espalhados pelo mundo. Lembremos que esta não é uma situação que aconteceu da noite para o dia, como o nascer de uma planta de um dia para o outro nos primeiros raios de sol. Trata-se de uma situação histórica que vem de longas e longas datas, de muito, muito tempo atrás.

O papo aqui não está para briguinhas e intrigas regionais ou algo semelhante. O papo aqui é reto e muito sério. Pois não estamos falando de quem tem ou não tem um balde de água para tomar ou não um banho. Estamos falando de vidas e pedaços de corpos espedaçados pelas ruas. Vidas vivendo no limite e em constante sacrifício. Digo isso para a gente não descambar para uma certa equivalência a partir de comentários. Por outro lado não estamos falando de algo momentâneo, mas sobre situações históricas que se arrastam por: “DÉCADAS”, “SÉCULOS”. Saca aí! Portanto, estamos falando de duas situações completamente opostas: a primeira alimentava a ilusão de imunidade e de espaço inatingível (talvez pensando: “caso aconteça uma falta d’água a gente corta um pedaço do rio Amazonas ou do Ganges e traz pra cá num avião fretado e pago, claro, com o dinheiro do contribuinte, né não?”), a mesma estupidez acontecida em um outro espaço nos idos de um certo 11 de setembro. Enquanto a segunda não quer nada além de viver em paz e com sua cultura ancestral. Mas como ter esse direito diante da avalanche de explosivos e dinamites e fuzis com 500 tiros por minuto?, como ter esse direito diante da continuação de guerras sangrentas que parecem intermináveis e a repetição e manutenção de governos corruptos e sanguinários, saldo deixado pelos diversos invasores num tempo não muito distante? Não serei estúpido em não dizer que a população tanto de lá quanto de cá pagam a maior parte desta conta, quiçá, o valor bruto, não duvidem.
A outra coisa a dizer é que estamos falando dentro do contexto de uma cultura iorubá, assim como todas as culturas africanas e, portanto, sobre uma cultura ancestral, milenar. O Brasil sequer era algum tipo de projeto. Aliás, o Brasil não passava de uma terra de índios felizes embrenhados numa mata recheada de pau-brasil. Com tribos de índios guerreiros tal como Cunhambebe.

Mudando um pouco de assunto, a propósito, vão falar de falta de água pra cima de mim!? Tão falando sério? Ah, faz favor, tão de brincadeira comigo, não é? Falar de falta de água? Tão chutando um cadáver? “São Paulo está faltando água”, tá, sim, então a gente senta e chora lágrimas de sangue, é isso? Porque, pera lá: vêm cá, alguns acham que estão em que mundo, mesmo, hein? Alguns andam fazendo o quê mesmo da vida? Não leram “Vidas Secas”, “Grande Sertão: Veredas”? “Os Sertões”, não foi?, ou…sei lá, é tanta coisa (Sei lá, leiam aí durante a madrugada, é um silêncio bom…). Não assistiram aos filmes de Glauber Rocha, não, foi? Não escutaram as músicas de Edson Gomes, Luiz Gonzaga, das bandas de Reggae, Afro-Reggae e Afro-Beat, não, foi? Os tambores também gritam, sabiam?! Não observaram e fizeram uma leitura do quadro “Os Retirantes” e “Guerra e Paz”, ambos de Portinari, este último de não sei quantos metros de altura decorando a sede da ONU em Nova York e ou as réplicas espalhadas pelo mundo inteiro em todos os tamanhos e formatos, não, foi? Não contemplaram e fizeram uma leitura das fotografias de Sebastião Salgado e Kevin Carter espalhas pelo mundo, não, foi? Só para citar algumas Figuras e Movimentos que nem sempre estão impressos nas páginas dos jornais. Tão achando que tudo isso aí é o quê, uma miragem? Alguns andam fazendo o quê? Tão achando que o mundo só é feito de Homero, é? Como disse uma certa criatura ao entrar numa sala de aula: “Tudo o que se escreveu ou o que se escreve até hoje já está lá em Homero, tá tudo lá”. Achei tão linda a frase! Deu até vontade de chorar…

Cara, você está mesmo me acompanhando, tá entendendo mesmo o que estou dizendo? Se for sim, então, não me venha com sua conversa de falta de água para lavar as mãos num restaurante burguês. Portanto o papo aqui é outro. Estou falando de um mundo muito mais escroto, cara. Um mundo que corta o seu cérebro em pedacinhos e derrama no chão como os estilhaços de um para-brisa espalhados num chão de betume, é disso que estou falando. Em outras palavras, estou falando de pais e mães que levam os corpos de seus filhos nas mãos caminhando pelas ruas sem destino e chorando para o vento. Estou falando de pessoas que eram/são evacuadas das ruas de Cross Road às seis da tarde, dos incontáveis massacres e extermínios nas ruas lamacentas de Soweto e nos guetos do Sudão e da Etiópia. Citei apenas alguns acontecimentos. A lista é muito grande e impossível descrever. Sou apenas um Homem!

Para finalizar, estamos diante de uma situação em que uma cultura ancestral vem sendo de forma ininterrupta hostilizada por suas diferenças no modo de viver e, não esqueçamos, também por suas epidermes, como disse e repito: há “DÉCADAS”, “SÉCULOS”. Estamos falando de olhos que sangram estilhaçando lágrimas em terrenos escusos. Não estamos falando de falta d´água em lugares fisicamente localizados nem em situações momentâneas por razões e questões desconhecidas.

Saiam pelas ruas e vão ver o mundo lá fora gritando, ou então fiquem aí em suas torres de marfim e achando que o mundo é um eterno céu de brigadeiro. Sigo numa outra direção. Então, tá! A gente se encontra por aí nas esquinas da vida. Até lá!

Sei lá.

Até qualquer dia!

m.t.

Foto 1: Arquivo Pessoal.
Foto 2: O Globo

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Viajei para São Paulo para fugir da dita festa do rei momo e do chamado Carnaval. Fico pensando se François Rabelais estivesse vivo como estaria revirando-se no túmulo. Ou talvez sangrasse os tímpanos e os olhos. Enfim… Deixa isso pra lá. O fato é que além de ir lançar um livro por lá também fui rever alguns grandes amigos e amigas e, claro, perambular pela cidade como um andarilho errante, para saber o que estava rolando no cenário cultural.

A propósito, já foram ver “Esdrúxulo!”, na Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos? A Casa das Rosas é um lugar interessantíssimo! Sempre pintava por lá quando morava em São Paulo, e agora não deixo de ir quando estou em terras paulistanas, sempre vou lá para saber o que está acontecendo naquele belo casarão encravado na Avenida Paulista…

“Esdrúxulo!”, para quem não está/estava muito acostumado com a poesia de Augusto dos Anjos e numa primeira vista parecia um troço bizarro, depois você acha bacana, porque aponta para um termo com certa polissemia, alta voltagem na poesia de Augusto dos Anjos. É. Trata-se de um sujeito controverso, de arrepiar a espinha e as estranhas. Há quem diga que sua poesia é pesada, escatológica, uma espécie de assombração para os nossos dias tão nebulosos, e os mais escrotos dizem ser uma poesia de carne apodrecida, de necrotério, no pior sentido dos termos. Ótimo! Os médicos agradecem, e muito! Entre um milhão de denominações para a poesia de Augusto dos Anjos, cito apenas uma para esta conversa: “Poesia Científica” ou “Ciência Poética”. E sabem onde tudo isso começou? É. Foi lá no Recife-PE séculos atrás! Esse nordeste é mesmo incrível, né não? Trilhões de traduções, críticas, textos, livros e estudos espalhados por todo o mundo, em lugares inimagináveis… Há quem diga ou pelo menos dizia que o lado de cá só há/havia mandacaru, macambira e terra gretada…tá…deixa isso pra lá.

Porra, Augusto dos Anjos, você é uma camarada injusto, sabia? Como é que faz uma coisa dessa com a gente? Escreve um livro e depois dá o fora deixando a gente aqui dentro desta canoa…deixa pra lá… Diante de um cara como esse, tenho até vergonha de colocar na orelha os nomes dos livros que publiquei… Mas isso já é outro assunto… Deixa isso pra lá… Para resumir, se ao ir embora depois de ter conferido a mostra você concluir que tudo aquilo lá não vale nada ou é algo um tanto bizarro, pelo menos sairá com uma certeza, você querendo ou não: “a certeza de que um dia você vai morrer”, mais cedo ou mais tarde. A questão é o que vai acontecer com o seu corpo e o que você vai fazer enquanto isso não acontece. Esse Augusto dos Anjos!, com um papo sempre reto e direto, sem firulas…

Opa! Tanto para aqueles que já conhecem quanto para os que ainda não conhecem a Casa das Rosas, então, ainda não terminei, porque ainda tem a parte lá de cima, principalmente para os que não conhecem, sigamos. Na parte superior tem aquela chamada mostra permanente com os trabalhos de Haroldo de Campos, passem lá e façam uma leitura, não precisa nem pegar um livro, visualmente mesmo já está de bom tamanho. Também tem a linda biblioteca, charmosa e aconchegante.

Dando uma olhada e fazendo uma leitura atenta, – é, sou muito atencioso quando estou nesses locais, não fui lá para selfs, tenho um corpo que se movimenta numa outra direção -, vi algumas revistas numa mesa de madeira, parecia jacarandá: um exemplar de um “Jornal de Poesia” com não mais que quatro páginas; dois ou três exemplares da “Revista Piauí” e um catatau da “Revista Pernambuco”. Por que será, hein? Tô aqui conversando com meus botões.

Dei uma folheada nas revistas e depois fui embora. Corram lá para dar uma apreciada, senão o bonde passa!

m.t.