SATÍRICON
[…] Já que estamos aqui reunidos, não tanto para entregar-nos a discursos eruditos, mas para nos entreter com narrativas agradáveis, aproveitemos então, amigos a feliz ocasião que aqui nos juntou. Fabricius Vegento, como homem de espírito, acaba de vos entreter com os embustes sacerdotais. Ele vos pintou a maneira como os sacerdotes preparam, tranquilamente, seus furores proféticos, ou como comentam descaradamente os mistérios que nem sequer compreendem. Mas será menos divertida a mania dos oradores? Bradam: “Vejam essas feridas, eu as recebi defendendo a liberdade da pátria! Este olho, eu o perdi por vós! Dai-me um guia, levai-me a meus filhos, pois meus joelhos cicatrizados dobram-se sob o peso do corpo!” Mesmo essa ênfase, porém, seria suportável se os caminhos da eloquência fossem revelados aos alunos. Mas de que serve este estilo pomposo, esse jargão vazio? Os jovens, quando são iniciados no tribunal, julgam-se transportados para um novo mundo. O que fez de nossos pupilos mestres tão idiotas é que tudo quanto velem ou ouvem nas escolas não lhes oferece nenhuma imagem da sociedade. Em tais escolas, castigam incessantemente os tímpanos dos meninos com piratas em emboscadas no rio, preparando cadeias para seus prisioneiros; com tiranos cujos decretos bárbaros condenam os filhos a decapitar os próprios pais; com oráculos que, para salvar cidades devastadas pelas pestes, decretam a morte de três jovens virgens. É um verdadeiro dilúvio de frases melosas, agradavelmente dispostas – ações e discursos, tudo salpicado de sésamo e dormideira.
II
– Alimentados com tais tolices, como poderão esses jovens formar seu gosto? Um cozinheiro tem sempre os aromas da cozinha. Ó retóricos! Não vos ofendais, mas é de vós que vem a decadência da eloquência! Reduzindo o discurso a uma harmonia pueril, a um mero jogo vazio de palavras, vós o tornastes um corpo sem alma, um esqueleto somente. Quando Sófocles e Eurípedes criou uma nova linguagem comovente, a juventude não se exercitava os talentos nessas declamações. Pedantes cobertos pelo pó das salas de aulas ainda não esmagavam os talentos no berço quando a musa de Píndaro e de seus nove rivais ousou fazer ouvir canções dignas de Homero. E, mesmo sem citar os poetas, não creio que Platão e Demóstenes tenham se exercitado nesse gênero de composição. Como uma virgem prudente, a verdadeira eloquência não conhece o exagero. Simples e modesta, eleva-se com naturalidade, tornando-se bela graças somente aos seus próprios encantos. Não foi há muito que essa loquacidade bombástica passou da Ásia para Atenas. Como um astro maligno, sua influência mortífera reduziu durante a juventude os impulsos do gênio e, desde então calaram-se as fontes da verdadeira oratória.
[…]
Mais ou menos assim, falava eu certo dia. Foi quando Agamêmnon se aproximou de nós e, com ar de curiosidade, desejou saber quem era o orador que a massa escutava com tamanha atenção.
III
Impaciente por ouvir meu discurso ao longo de tanto tempo, sob o pórtico, quando há pouco, em sua aula, ele mesmo quase ficara rouco sem nenhum sucesso, Agamêmnon assim falou:
– Meu jovem, tuas expressões não refletem o gosto dominante. Tens bom senso, qualidade rara em tua idade. Quero revelar-te os segredos de minha arte. Não cabe aos professores a culpa pela ruindade de nossas lições. Diante de cabeças descerebradas, não se pode falar sensatamente. Como observou Cícero, se o ensino não for agradável, “o professor logo ficará sem ouvintes”. Igualmente, se o adulador parasita quer ser admitido à mesa do abastado, prepara previamente uma seleção de contos agradáveis para os convivas. Ele não atingiria o seu objetivo se não preparasse armadilhas para ouvidos de seu público. O professor de retórica, como um pescador, sabe muito bem que, se não colocar no anzol a isca preferida pelo peixe, ficará sentado eternamente no rochedo, sem esperança de fisgá-lo.
IV
– Assim, portanto, a culpa deve caber somente aos pais que negam a seus filhos uma educação severa e digna de um homem. Como tudo o mais, começam por sacrificar a esperança à ambição que eles possam ter. Em seguida, a fim de alcançar mais rapidamente o objetivo que almejam, lançam nos tribunais esses aprendizes de oradores. E a eloquência que a essa altura só o homem maduro pode atingir, segundo ele próprio o admite, eles a reduzem ao nível de um fedelho. Com mais paciência, os estudos seriam mais bem dispostos. Veríamos uma juventude estudiosa refinar imperceptivelmente seu gosto, meditando sobre livros, sujeitando sua alma pouco a pouco ao domínio da sabedoria, corrigindo penosamente seu estilo e ouvindo atentamente aos modelos que pretende tomar. Enfim, vê-la-íamos rejeitar sua admiração a tudo que normalmente seduz os infantes. Somente então a eloquência ressurgiria em toda a sua imponente majestade e nobreza. Contudo, esses mesmos homens que consideravam o estudo como uma brincadeira na infância, e que na adolescência foram motivo de anedotas nos tribunais, quando chegam à velhice, para o cúmulo do absurdo, não querem confessar os vícios de sua primeira educação. Não que eu reprove completamente a improvisação, da qual Lucílio é o pai – eu mesmo te darei uma amostra do meu estilo:
[…]
[Petrônio, Satíricon, (63 d. C.)]